Foi quando eu tinha
seis anos de idade que eu pisei pela primeira vez em um terreiro de Umbanda. A
sensação foi como a de um filho que reencontra a mãe após uma longa viagem.
Pude reconhecer de imediato seu cheiro, sua voz, e, principalmente, seu abraço.
Percebi então, que eu era parte daquilo e aquilo me era por inteiro.
De lá para cá já se
passaram vinte e sete anos, mas a sensação do primeiro dia ainda não passou.
Meu coração ainda bate forte quando sinto o cheiro da erva queimando na brasa e
escuto o som dos tambores.
Talvez seja isso o
que acontece com qualquer um que encontra a sua religião ou filosofia de vida,
não sei, sei que comigo é assim. As lágrimas são tão impossíveis de controlar
como a felicidade depois de mais uma missão cumprida. Por mais comprida e
cansativa que tenha sido.
Renasci em meio aos
brados de valentes Caboclos e às palavras sábias e mansas de alguns que viveram
a escravidão. Aprendi a perdoar, mas não deixei de aprender a lutar contra as
injustiças, assim como não deixar de sorrir para a dor e as aflições. Solidão
eu nunca senti, mas já me arrependi de algumas companhias.
Guiado muitas vezes
como um cavalo com três ou mais arreios, me entreguei em um caminho que não sei
e nem nunca soube o final, mas sei que é o meu. Chorei a dor das decepções, mas
nunca lamentei nenhuma das emoções. Minhas angústias quase me derrubaram, mas
me fizeram perceber que somos fortes, quando só nos resta esta opção.
Quando vi meus irmãos
e eu sendo humilhados pela nossa fé limpa e cristalina, saí às ruas. Desejei
ter mais que uma cara para colocar a tapa. Ofereci a outra face, mas após isso
eu não encontrei nada que nos dissesse para recuar. Avançamos.
Enquanto semeávamos,
outros tentavam destruir nossa lida com a terra. Demos, e ainda damos
bons frutos. Muitos colheram, colhem e saboreiam até hoje. Pediram-nos para
dividir o crédito do plantio, então dividimos. Mas estes não sabem o quanto
nossa pele corou no sol. Não sabem o peso da enxada e nem a dureza da terra.
Mas dividimos, com o acordo que daquele dia em diante, eles nos ajudariam a
plantar. Mais mãos, mais sementes. Certo? Errado!
Bastou alguns
arranhões naturais da lida para fazê-los trocar a enxada pela pedra, tentando
colher forçadamente algo que a natureza lhes nega. Difícil de entender como se
acham humildes dizendo que as pedras que nos atiram são pobres, enquanto nós
somos vaidosos porque trabalhamos com enxadas bem eficientes.
Passem por onde
passamos, pisem onde pisamos, caminhem como caminhamos, plantem o que
plantamos. E só depois queira colher o que colhemos. Encoste seus ouvidos na
terra e ouça o que ela tem a dizer. Já fez isso? Já perguntou para quem a
árvore produz seus frutos? Já pediu licença para apanhar uma folha?
Não queira ser um
guerreiro nem um cavalheiro, seja apenas um cavalo, com muitos arreios.
Publicado na Coluna
de Ricardo Barreira no Jornal Bom Dia em 29/10/2011
Fonte:
http://www.ricardobarreira.com.br/
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