Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita - abril/2004
Na dobra dos séculos, ele continua sendo apontado como alguém que destoou no Colégio Apostólico, exemplo de mau amigo, traidor. Ainda na atualidade, o seu nome é dado aos que traem uma causa, aos que erguem a mão contra quem os brindou com amizade.
Dentre os doze apóstolos, parece ter sido o único que não era galileu. Filho de Simão, era da cidade de Cariote ou Kerioth, "cidade do extremo sul da tribo de Judá, a uma jornada além do Hebron." (3)
Em Cafarnaum, Judas, comumente denominado, Judas Iscariotes, o que equivale a dizer, Judas, de Kerioth, sua localidade de nascimento, se consagrava ao pequeno comércio, vendendo peixes e quinquilharias.
Entendia de contabilidade, e se transformou no tesoureiro do grupo. Era quem cuidava da bolsa das ofertas. Quem lhe analise a personalidade, o qualifica como culto, eloqüente e polido. Também alegre e um homem realizado.
Destacam-se nele, igualmente, qualidades como discrição e sensatez. Com certeza, um homem prático. Sua cabeça era de um comerciante. Seu negócio era adquirir, revender e contar os lucros.
"Imediatista, considerava as pessoas e ocorrências através da óptica distorcida da realidade, pelo valor relativo, amoedado, social, transitório, não real. (...)" (2)
Foi exatamente sob essa tônica, que ele expôs o Amigo Celeste. Judas tinha ambição, fascinação pelas riquezas, preocupações com a vida material. Não conseguiu apreender o sentido da missão do Grande Amigo.
Para ele, o carpinteiro de Nazaré era o Messias, aguardado há séculos por Israel, sofrida e à época, escrava da águia romana dominadora. O poder de Jesus, Seus discursos, Sua inteligência e Seus milagres o fascinavam.
No Evangelho de João (12:6), encontramos uma referência à sua desonestidade, referindo o evangelista que "tendo a bolsa, roubava o que se lançava nela."
Segundo as lições espirituais, Jesus o teria advertido, ao início do apostolado: “...Judas, a bolsa é pequenina; contudo, permita Deus que nunca sucumbas ao seu peso!" (6)
Sua é a voz primeira que sussurra acerca do desperdício, em casa de Simão, o ex-leproso, durante o banquete em que Maria, de Betânia, oferece ao Amor não amado, o caro perfume, ungindo-Lhe os cabelos. Servindo-se do momento para o ensino, Jesus recorda da pérola da amizade e da preciosidade da manifestação afetiva, alertando sobre a precariedade das coisas temporais.
Acompanhando o Rabi, dia após dia, registrando-Lhe a grandeza, alimenta o filho de Simão a idéia de que, dia chegará em que Ele assumirá o poder, liderando uma grande revolução, esmagando Roma. Não conseguira entender que a maior revolução que o doce Rabi propunha era contra o inimigo interior.
Após a triunfal entrada do Amigo em Jerusalém, Judas imaginou que melhor momento não haveria do que aquele para que Ele inaugurasse o Seu Reino.
No entanto, sequer sorrira Jesus, nem retribuíra com acenos ou um inflamado discurso à extraordinária recepção, que o povo lhe oferecia. Aquela maré humana entrou por um dos grandes portais da muralha do Templo e se derramou para o interior da extensa área do átrio dos gentios, ao átrio do povo e dos sacerdotes.
E quem ouvisse os brados de Hosana ao Filho de Davi! Hosana! acorria para ver quem seria a personagem que assim estaria sendo ovacionada. Quem seria alvo de tão deslumbrante manifestação?
Os fariseus ficaram indignados e mais recrudesceu o ódio contra o Galileu. Os sacerdotes devem ter tremido, temendo, mais que nunca, perder o cargo e seus privilégios. Decretava-se, ali, a urgência da sentença de morte do Filho de Nazaré.
Contudo, enquanto Judas aguarda que Ele tome uma atitude, o Mestre se retira da cidade, ao anoitecer e se dirige a Betânia, onde costumava passar a noite.
O discípulo se inquieta. Sob seu ponto de vista, Jesus não sabe aproveitar as oportunidades, nem se preocupa em conquistar a atenção dos homens mais altamente colocados na vida.
Gozando da amizade de políticos influentes em Jerusalém, Judas decide propor um acordo para apressar o triunfo do Messias. Arquiteta entregá-Lo aos homens do poder temporal, "em troca de sua nomeação oficial para dirigir a atividade dos companheiros. Teria autoridade e privilégios políticos. Satisfaria às suas ambições, aparentemente justas, com o fim de organizar a vitória cristã no seio de seu povo.
Depois de atingir o alto cargo com que contava, libertaria Jesus e lhe dirigiria os dons espirituais, de modo a utilizá-los para a conversão de seus amigos e protetores prestigiosos." (7)
Quando a alvorada se fez, o discípulo imprevidente se dirigiu ao Sinédrio. Aguardou horas, mas muitas promessas lhe foram feitas. Guardou as 30 moedas, nem mesmo sabia porquê. Afinal, logo mais, ele teria as rédeas do movimento renovador. Era uma quantia pequena para o que idealizava. Nada além do preço de um escravo: trinta moedas de prata.
Com um beijo entrega o Amigo a quem amava, sem O compreender. Aterrorizado, viu seu Mestre ser conduzido à cruz, sem nenhum lamento, sem nenhuma queixa.
Dando-se conta do equívoco, busca Caifás, reclamando o cumprimento do acordo. Somente recebe dele e dos demais membros do Sinédrio sorrisos de sarcasmo. Recorre às suas relações de amizade e teve que reconhecer a fragilidade das promessas humanas.
De longe, Judas contemplou as cenas humilhantes e angustiosas do drama do Gólgota. O remorso o abraça, dilacerando-lhe a consciência.
Um pensamento o toma. Sem amigos, traidor vil que entrega o Amigo querido, da forma mais ignominiosa, ele somente pensa em desertar da vida. Naquele momento, não se recordou das exortações acerca da prece, da comunhão com o Pai, do perdão lecionado tantas vezes pelo Nazareno.
Ele somente escuta a voz tenebrosa de seu tremendo remorso e, dirigindo-se à rampa do vale de Hinom, compõe o laço em torno do pescoço e se deixa pender, vencido pela dor, ingressando no mundo espiritual, atormentado e sofredor.
Conta-se que, tendo devolvido aos sacerdotes o dinheiro vil, entenderam eles que aquele era "preço de sangue" e não seria lícito retorná-lo aos cofres do Templo. Assim, adquiriram um campo para servir de cemitério a estrangeiros e peregrinos que morressem em Jerusalém. O local ficou conhecido como "campo de sangue" e, segundo alguns, Judas teria sido o primeiro a ser ali sepultado.
Na seqüência dos anos, ele expiaria sua tenebrosa falta. Em entrevista que concede ao espírito Irmão X, assim narra a sua trajetória de redenção: "Depois de minha morte trágica, submergi-me em séculos de sofrimento expiatório da minha falta. Sofri horrores nas perseguições infligidas em Roma aos adeptos da doutrina de Jesus e as minhas provas culminaram em uma fogueira inquisitorial, onde, imitando o Mestre, fui traído, vendido e usurpado. Vítima da felonia e da traição, deixei na Terra os derradeiros resquícios do meu crime, na Europa do século XV.
Desde esse dia em que me entreguei por amor do Cristo a todos os tormentos e infâmias que me aviltavam, com resignação e piedade pelos meus verdugos, fechei o ciclo das minhas dolorosas reencarnações na Terra, sentindo na fronte o ósculo do perdão da minha própria consciência..." (8)
Bibliografia:
01.FRANCO, Divaldo Pereira. Isto é lá contigo. In:___. Há flores no caminho. Pelo espírito Amélia Rodrigues. Salvador: LEAL, 1982. cap. 23.
02.______. Arrependimento tardio. In:___. Trigo de Deus. Pelo espírito Amélia Rodrigues. Salvador: LEAL, 1993. cap. 12.
03.RENAN, Ernest. Os discípulos de Jesus. In:___. Vida de Jesus. 13. ed. São Paulo: Martin Claret, 1995. cap. 9.
04.TEIXEIRA, J. Raul. Jesus e a traição. In:___. Vida e mensagem. Pelo espírito Francisco de Paula Vitor. Niterói: FRÁTER, 1993. cap. 15.
05.VINICIUS. Reabilitação de um culpado. In:___. Na escola do mestre. 4. ed. São Paulo: FEESP, 1981. cap. 4.
06.XAVIER, Francisco Cândido. Os discípulos. In:___. Boa nova. Pelo espírito Irmão X. 8. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1963. cap. 5.
07.______. A ilusão do discípulo. Op. cit. cap. 24.
08.______. Judas Iscariotes. In:___. Crônicas de além-túmulo. Pelo espírito Humberto de Campos. 8. ed. Rio[de Janeiro]: FEB, 1975. cap. 5.
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