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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Poder da Fé


A utilização de amuletos e elementos naturais reforça a prática das benzedeiras “modernas”, inclusive atuando na saúde pública.


O Brasil é rico por sua diversidade, pela cultura, a música e a mistura de povos. Com tanta influência e mescla cultural, as religiões desenvolvem papel importante na vida do povo brasileiro. O sagrado e o místico se fundem em rituais, práticas e dogmas, passados de geração a geração. De igrejas evangélicas, que utilizam simbologias, como cruzes, flores, amuletos a centros místicos que se armam de recursos materiais, a transferência de fé para “amuletos” é constante. Dentro deste contexto destacam-se as benzedeiras, mulheres que conseguiram manter a tradição e juntam fé e misticismo como aplicação prática de curas. Além disso, passaram a ser utilizadas como auxiliadoras da Saúde Pública, no Ceará.

Os amuletos representam hábitos antigos e que se renovam a cada dia, de acordo com alternâncias culturais e geográficas. Presos em cordões de couro, correntes e nos mais diversos materiais e cores, esses objetos são considerados itens da moda e representam as crenças e superstições de várias religiões. Tem para todos os gostos. Do crucifixo cristão à Estrela de Davi. Dos búzios do candomblé às moedas chinesas. Mudam-se as formas, os tamanhos e até as cores, mas os objetivos continuam os mesmos e com uma finalidade em comum: afastar a inveja, renovar as energias, trazer boa sorte e proteção.
D. Maria Antonieta de Camargo, 46 anos, é vendedora em uma loja de artigos religiosos na zona norte de São Paulo e afirma que as mulheres entre 30 e 50 anos são as compradoras mais assíduas. “O público é bem variado. Vêm mulheres católicas, gente da umbanda e até evangélicos”, revela rindo. A loja chama atenção pelas cores vibrantes e pelo forte cheiro de incenso. Abarrotada de objetos fica difícil de escolher entre tantos protetores.

Maria acredita no poder dos talismãs, mas salienta que “é preciso ter fé naquilo que você acredita, pois nada é inatingível.” A vendedora que também freqüenta um centro espírita, conta que muitas pessoas procuram os artigos com a intenção de prejudicar alguém, porém garante que a vida é como um espelho, “Tudo volta para você. Hoje ou amanhã. Um dia volta”.

Unção natural

"Com dois eu te vejo, três eu quebro encanto, a palavra de Deus e a Virgem Maria é quem cura quebranto, mau-oiado e zóio ruim.” Com galhinhos de arruda e pinhão roxo na mão e o terço em outra, Dona Maíta Sanches benze mais um consulente que se queixa de enxaqueca e dor no corpo. “Chegou aqui com dor de cabeça, corpo dolorido, já sei que é mau olhado.” Então ela começa seu ritual de benzedura e aconselha um banho de sal grosso com manjericão e andar sempre com uma pimentinha. “Isso aí é tiro e queda, acaba com qualquer olho grande.” Outras doenças também podem ser curadas com tratamentos que foram passados a D. Maíta por suas antepassadas.

Segundo a benzedeira, diabetes é tratada com chá de folhas de pata de vaca com insulina e pau ferro e a gastrite desaparece com infuso de casca de jatobá. A mais pedida pelas mães que a procuram é a simpatia para bronquite, uma mistura de várias ervas que deve ser distribuído na semana santa. “Quem já tomou ou vai tomar não pode saber o que vai no chá, senão adoenta de novo ou não cura.” A curandeira ressalta que é necessário um ritual para benzer alguém. “Bem estar e saúde é condição fundamental”. As ervas tem que passar por um processo especial, sendo apanhadas frescas e banhadas em óleos. Muito importante também é sempre aproveitar a energia solar para a benção. E, principalmente, é preciso ter fé. “Benzer alguém é ser um canal de cura, é preciso acreditar no poder do Criador”.

A atendente Andrea Careira, de 34 anos, de família kardecista costuma ser benzida desde criança. Na infância procurava para tratamentos de vermes, "bucho virado" (dor de barriga) e outros. Como adulta procura as benzedeiras para tratar de mau olhado, stress e diz ter sempre bons resultados. "A ciência não consegue explicar tudo, mas nunca deixei deter a cura quando tratada por benzedeiras" diz Andrea.

O uso da fé

“A pessoa tem que ter muita fé naquilo que faz e em que acredita”, diz dona Vilma da Silva Ferreira, 73 anos de idade e benzedeira há mais de quarenta. Curar, segundo ela, é um dom que Deus deu para que possa fazer o bem às pessoas que tem problemas de dores nas costas, quebrante, olho gordo, indisposição e por ai vai. Ela aprendeu a benzer com uma senhora que morava em sua rua chamada Lucinda e a única coisa que usa para ajudar a curar irritações na pele, causadas por picadas de insetos, ou cobreiro, como prefere chamar, são três matinhos verdes e óleo. Após passar a mistura na pele do paciente, ela queima e joga fora.

Vilma nunca acreditou no poder de talismãs, ou pimenta para tirar o mal olhado, ou banho de sal grosso. Ela conta que quando era nova, descobriu que havia uma benzedeira próxima de sua residência. Com toda fé ela decidiu ir conhecer a mulher que cobrou um valor de quase seu salário inteiro. Vilma perguntou a mulher o que ia fazer para que seu marido curasse, a benzedeira respondeu que não ia curá-lo e sim ia arranjar outro marido a Vilma, ela revoltada pegou seu dinheiro de volta e disse à mulher que outro marido ela pode arranjar em qualquer lugar e que não queria isso, a benzedeira disse a Vilma que ela ia sofrer muito dali em diante na sua vida.

E foi o que aconteceu Vilma não dormia e sua vida piorou. Mas as coisas melhoraram depois que começou a benzer outras pessoas por gratidão a Deus. Ela conta que por diversas vezes teve dúvidas se sua reza curaria uma doença, mas mesmo assim manteve a fé - como ela diz – e sempre deu certo.

“Não cobro nada e nem gosto de ganhar presentes, se Deus me deu esse dom vou usá-lo para o bem. Pretendo ensinar minha filha mais nova a benzer e tenho certeza que ela irá ajudar muita gente assim como ajudei”, finaliza Vilma.

Crença e saúde pública

O Posto de Saúde da Família, PSF de Sobral no estado do Ceará, inovou com o tratamento de Hanseníase, diminuindo a mortalidade e qualificando seu atendimento na rede pública., A contratação e o treinamento de 200 benzedeiras age como interface para as populações mais carentes.

A medicina moderna agregada ao catolicismo popular ajuda as benzedeiras a identificar doenças e encaminhar as crianças adoentadas para o tratamento. "Elas aprendem, por exemplo, a reconhecer manchas que podem ser de hanseníase, e encaminham o paciente ao posto de saúde. Também fazem isso quando recebem uma criança que acreditam não poder tratar", Diz o médico, Luiz Odorico Monteiro de Andrade.

A pesquisadora Elisabeth Parente, mestranda em Antropologia Social da Universidade Mackenzie de São Paulo, afirma que a prática mágico-religiosa desenvolvida pelas benzedeiras de tradição católica continua latente e resiste às transformações culturais. “Há casos em Sobral de benzedeiras que são evangélicas. A população não distingue suas crenças e a fé facilita a comunicação e o aceite para o tratamento", diz Elizabeth.

O modelo está sendo seguido por outros estados como o Rio Grande do Norte, Minas Gerais e São Paulo. Nestas regiões, os resultados alcançados também foram satisfatórios. “As pessoas tanto utilizam os serviços de saúde da medicina ‘popular’ quanto da medicina ‘oficial’ - estabelecendo uma complementaridade. Nesta perspectiva, buscamos fazer uma análise antropológica tendo como viés as práticas das rezadeiras e as políticas do Programa de Saúde da Família (PSF).” Afirma a pesquisadora Elizabeth.

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“Aquilo que é impenetrável para nós existe de fato. Por trás dos segredos da natureza há algo sutil, intangível e inexplicável. A veneração a essa força que está além de tudo o que podemos compreender é a minha religião.”

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