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domingo, 7 de novembro de 2010

As Lendas dos Orixás.



As Lendas de Aruanda. 
Conto 01 – Os Orixás Viajaram em Tumbeiros
Saravá, meu pai, confio em Deus! Saravá é uma saudação nos terreiros de cultos afro-brasileiros, que tem o significado de “salve”. Corruptela da palavra portuguesa “salvar”, cujos escravos tinham dificuldade de pronunciar, e diziam “salavar”. Sob a influência da fonologia banta, passou a se falar “saravá”, para desespero e raiva dos puristas gramaticais, que acham que a nossa Língua tem que ser a mesma que veio nas caravelas de Pedro Álvares Cabral e seus sucessores, não importando a dimensão continental do Brasil nem a origem dos seus povoadores. Saravá!
Apesar de ser Oxalá o criador da humanidade, não é ele o Ser Supremo de Aruanda. Isso compete a Olorum, o deus-Uno, o Criador do Plano Astral e dos orixás, que um dia foram gente influente e poderosa aqui na terra e se tornaram entidades divinizadas quando desencarnaram, servindo de ponte que liga os humanos a Olorum, ou Olodumaré (Olorum para os nagôs; Zambi ou Obatalá para os bantus), com suas paixões e defeitos, cuja origem remota a mais de cinco mil anos.
Aruanda é um dos nomes do plano astral superior, o Paraíso dos católicos, os Campos Elíseos dos gregos. A Roma iorubaiana fica em Ifé, cidade a sudoeste da Nigéria, hoje com uma população de 152 mil habitantes. O Latim de seus cultos se chama Iorubá, que teve sua origem na Nigéria Ocidental e se espalhou pelo mundo nos navios negreiros, sendo que os iorubaianos, trazidos em larga escala para o Brasil, aqui chegando, receberam o nome de nagô e exerceram forte influência social e religiosa sobre outros grupos igualmente escravizados, principalmente na Bahia, com exceção dos malês, negros da África muçulmana, praticantes do Islã.
O sincretismo religioso que se propaga aos quatro ventos como fato consumado entre o catolicismo e a afro-religião, mais propriamente ao Candomblé, não é, de fato, a fusão filosófica das duas religiões em uma só, conforme acepção da palavra. Nem mesmo há uma fusão parcial. Os negros, proibidos de cultuar seus deuses nas senzalas ou nos morros, fingiam homenagear os santos católicos nas suas festas e batuques e assim eram tolerados pelos brancos e deixados em paz pela polícia. Nas festas ditas sincréticas, o que há é um paralelismo dogmático entre os católicos, que cultuam seus santos em suas igrejas ou comunidades, e os seguidores da afro-religião, que reverenciam suas deidades em seus batuques, não havendo nenhuma síntese doutrinária ou junção filosófica entre essas religiões. Cada uma segue o seu rito distinto, sem consagração sacramental nos terreiros, nem toque de atabaques nas eucaristias.
Epa baba! Saravá, meu rei!
Sexta-feira é dia de Oxalá, o criador da humanidade, e os seus filhos devem vestir branco.
Oxalá tem vários nomes, entre eles, Oxalufan, que é Oxalá velho, Oxaguian, quando está guerreando, Orixanlá pra qualquer coisa, e Obatalá, quando assume sua condição de Rei Branco e leva semanas para tomar uma decisão importante, ponderando os prós e os contra, com lenta meticulosidade. No sincretismo baiano, ele é o Senhor do Bonfim, a maior divindade dos baianos, e talvez seja por causa de Obatalá que os conterrâneos do ministro Gilberto Gil levam semanas para morrer de morte súbita. Nos outros cantos do Brasil ele é Jesus Cristo.
Faz parte do seu traje de cerimonial: seu cajado de prata ou de metal prateado, ornado de arandelas sobrepostas, encimado por um pássaro ou coroa, chamado de opaxorô, ou paxorô.

 
 Conto 02 - O Rei e o Pássaro Comedor de Inhame
Okê Arô!
Okê Oxossi!
No reino de Ifé, no sudoeste da Nigéria, todos os anos se comemorava a festa dos inhames e ninguém podia usufruir a nova colheita enquanto não acabasse a farra. O rei Odudua, nesse dia, fazia questão de desfilar com suas mulheres e ministros, distribuindo simpatia no meio do povo. A festa corria bem, com os ifelenses comendo inhame de manhã, de tarde e de noite, bebendo vinho de palma, porém as feiticeiras Iyá-mi, donas dos terríveis pássaros noturnos, chateadas porque não foram convidadas para a festa, resolveram acabar com o festival inhamal e enviaram para Ifé uma ave gigantesca e aterradora, que pousou na torre do palácio, promovendo a maior tragédia de que se teve notícia na Nigéria. Chamaram o destemido Oxó Togum, o caçador de vinte flechas, para matar o pássaro; errou todas, escapou de ser devorado pelo pássaro, mas foi direto para o calabouço e durante muitos anos viu o sol nascer quadrado. Chamaram então Oxó Togi, o caçador de quarenta flechas, mas não conseguiu acertar o temível pássaro e teve o mesmo destino de Oxó Togum; trouxeram Oxó Todotá, o caçador de cinqüenta flechas, que tremeu nas bases e teve o mesmo fim dos seus colegas caçadores. O rei, desesperado, não viu mais nenhum caçador famoso para chamar. Então o mensageiro da corte se lembrou de Oxó Tocanxoxô, o caçador pobre, que só tinha uma flecha. Rei e súditos riram amarelados, incrédulos. Mas era a última esperança do rei Odudua. Oxó Tocanxoxô desafiou:
— Que me cortem aos pedaços se eu não matar esse comedor de inhame gigante!
Oxó Tocanxoxô era filho único e a sua mãe não queria perdê-lo assim, sem mais nem menos. Se não matasse o pássaro, seria esquartejado. Consultou um feiticeiro famoso, que a aconselhou a fazer uma oferenda, única maneira de seu filho se salvar e se tornar rico. Ela cumpriu fielmente o ritual: em uma encruzilhada, ofereceu uma galinha com o peito aberto às Iyá-mi e gritou “que o peito do pássaro receba esta oferenda!”. O pássaro, enjoado de comer inhame, ao receber a oferenda, abriu as asas e disse “oba!”, vacilando e desguarnecendo o peito. O caçador de uma flecha só aproveitou a oportunidade para acertar o seu coração. Foi tiro e queda. Digo, foi flecha e queda. E o povo feliz, liberto do terror, ovacionou seu herói, gritando “Oxó Ussi!, Oxó Ussi”, que, com o passar do tempo, foi simplificado para Oxossi, traduzindo para o Português, significa “Guardião do povo”.
E assim os ifelenses continuaram a festa, dessa vez, comendo inhame com carne do pássaro abatido e, em agradecimento, fizeram do caçador Oxó Tocanxô, o rei de Ketu.
Oxossi é o orixá da vida. Para ele não importa o quanto se viva, desde que se viva intensamente. Seu fetiche é um arco e flecha, uma frigideira de barro e uma pedra. Suas cores são o verde, o azul e o vermelho vivo e as filhas de santo devem vestir verde e amarelo com pulseira de bronze. Seu dia é a quinta-feira e sua festa anual é no dia de Corpus Christi. No sincretismo religioso, ele é identificado como São Jorge, na Bahia e Pernambuco e São Sebastião, no Rio de Janeiro.


Conto 03 - Um deus suicida
Oguniê!
Ogum é filho de Iemanjá com Odudua. Desde pequeno que era destemido e viril, tornando-se um guerreiro bravo e conquistador, tomando para si tudo o que desejava, das mulheres ao poder.
Ogum guerreou e conquistou a cidade de Irê, tornando-se seu rei. Expandiu seu território pelas cidades vizinhas e se transformou em senhor absoluto. Nos intervalos das guerras, criou os metais e a forja, se tornando num exímio ferreiro, fabricando, além de lanças e espadas, ferramentas úteis no campo para o plantio.
Um dia saiu a guerrear pelo mundo com seu irmão mais velho, Exu, e coroou o seu filho rei de Irê. Os moradores, em sua homenagem, fizeram voto de silêncio e de jejum que deveria ser aplicado em determinadas ocasiões.
Ogum, em sua sede de guerra, deu a volta ao mundo e nem percebeu que havia retornado ao seu reinado, Irê. Coincidiu ser o dia do voto de fome e de silêncio e Ogum não sabia disso. Faminto, sedento, queria ser servido, porém esbarrou na falta de comida e na mudez dos habitantes. Achando que era um desrespeito a ele, desembainhou a espada e cortou a cabeça de quase metade da população, incendiou as casas e quebrou tudo que encontrou pela frente. No meio da fúria, reconheceu o filho que lhe levava água e comida.
Satisfeito o apetite, o seu filho lhe falou que, em sua honra, ninguém deveria falar naquele dia. Ogum lamentou o acontecido, arrependido, disse que já vivera o bastante. Ato contínuo, cravou a espada no chão e foi tragado pela terra, fazendo um ruído medonho.
Ao abrir picadas na mata, Ogum abriu caminhos para o progresso. Está associado à luta, conquista e tecnologia e, no sincretismo, corresponde a São Jorge e o seu dia é comemorado em 23 de abril.
O dia da semana é terça-feira e os seus filhos devem vestir vermelho, azul e verde.


Conto 04 – Eram os Orixás Adúlteros?
Kawo kabiesilé, Xangô!
Eparrê, Iansã!
Quarta-feira, é o dia de Xangô e de uma de suas três esposas, Iansã, conhecida também como Oyá. Seus filhos devem vestir vermelho e branco para Xangô, ou grená e marrom para Iansã.
Xangô é o orixá símbolo da Justiça, um mulherengo inveterado e bom orador. Perseguidor implacável dos malfeitores, dizem que cospe fogo tal qual os dragões em seus momentos de fúria. No sincretismo com os santos católicos, corresponde a São Jerônimo.
Iansã é a divindade dos ventos, dos raios e das tempestades. A Santa Bárbara dos católicos. Foi a primeira esposa de Xangô e ex-esposa de Ogum, o ferreiro, este, filho de Yemanjá com Oxalá.
Diz a lenda que Oyá era companheira de Ogum e lhe auxiliava na sua metalúrgica, trabalhando como ajudante de ferreiro, ora atiçando o fole, ora carregando as ferramentas. Ogum, grato à companheira por lhe ajudar sem cobrar salário nem torrar a sua paciência, lhe presenteou com uma lança igual a sua, que tinha o poder de dividir o homem em sete. Tão apaixonado estava, que a lança de Oyá ganhou poderes de se dividir em nove durante um combate, caso fosse tocada pela arma do adversário.
Um dia Xangô apareceu jogando olhares lascivos para Oyá, uma bela morena de cabelos anelados e olhos tentadores. Xangô era um orixá vigoroso, seguro de si, usando brincos e pulseiras, além de belos anéis nos dedos. Oyá sentiu os olhares penetrantes de Xangô abalar seus alicerces sentimentais, não resistiu, e fugiu com ele para a floresta. Ogum, ferido em seus brios de macho, pediu permissão a Olorum para duelar com sua ex-amante. Queria vingar a honra ferida.
Permissão concedida, partiu Ogum atrás de Oyá e travaram um longo, violento e inesquecível duelo, e chegou uma hora que os dois se tocaram com suas armas, mutuamente. Ogum se dividiu em sete e Oyá em nove, se transformando em Iansã, que quer dizer, mãe dividida em nove, ou nove mães. Em desvantagem numérica, Ogum desistiu da luta e foi para o mar esfriar a cabeça. Xangô e Iansã pegaram um avião e foram passar a lua-de-mel em Aruanda, e viveram felizes até o dia em que apareceram duas pretendentes ao amor de Xangô: uma, outra ex-mulher de Ogum, uma guerreira de nome Obá; a outra, a mais bela das belas deidades, Oxum, a orixá da fertilidade.
Xangô, além de mulherengo, era um comilão e adorava pratos suculentos e variados. As duas pretendentes travaram um duelo ao pé do fogão, cada uma com sua culinária requintada, procurando fisgar o coração de Xangô pela boca.
Um dia Oxum preparava um prato para o seu amado com um véu cobrindo-lhe as orelhas, quando se aproximou Obá; curiosa, quis saber o que a rival estava cozinhando.
– Estou fazendo ensopado de minhas orelhas, pois descobri que Xangô adora uma orelha ensopada – disse a dengosa e inteligente orixá.
Obá ficou de botuca e viu quando Xangô chegou, se aboletou e devorou a comida com tremendo gosto e satisfação, lambendo os lábios, os dedos e repetindo o prato mais seis vezes. A semana seguinte seria a sua vez de servir o almoço para Xangô e não contou conversa: passou o facão em uma orelha sua e serviu ao molho pardo ao orixá da Guerra e da Justiça, o Guerreiro Supremo. Este, sentindo o gosto de cera de ouvido, quando soube do que se tratava, deu um urro, se levantou furioso, meteu o pé na mesa, chutou o prato longe e ainda deu uns catiripapos na orixá guerreira. Sem entender patavina de nada, Obá foi ter com Oxum e saber o que tinha saído errado. Chegando lá, caiu em si e tomou consciência de que havia sido vítima de uma sórdida armadilha, preparada pela debochada rival. Travaram o maior quebra-pau em Aruanda, com as duas se unhando e se descabelando, e Obá querendo arrancar a orelha de Oxum a dentadas, até que um vizinho correu para avisar a Xangô e o mesmo apareceu para pôr ordem na casa, distribuindo bofetões a torto e a direito, ameaçando soltar fogo pelas ventas. Dizem que as duas, com medo da fúria de Xangô, fugiram para a floresta e se transformaram em rios.
É por causa da vergonha da orelha decepada que Obá se manifesta nos humanos cobrindo as orelhas.


Conto 05 – A Sereia, o Caçador e o Sapo
Odoyá!
Iemanjá, ou Janaína, era filha de Olokun, a deusa do mar. Casou-se com Olófim Odudua e teve dez filhos, os quais gostavam muito de mamar e esticaram imensamente os seios da mãe. Como não havia cirurgia plástica naquela época nem prótese de silicone, Iemanjá, vaidosa que ela só, sentia grande vergonha de aparecer de biquíni na praia de Ifé. Um dia, cansada dos cochichos e risinhos debochados das siliconadas do reino, resolveu fugir para bem longe, rumo oeste, indo parar no reinado de Okerê, a cidade de Xaki. Como até os deuses sentem amor à primeira vista, Iemanjá e Okerê juntaram as escovas de dente, porém Iemanjá impôs uma condição ao seu amado: que ele nunca falasse de seus enormes seios. E viveram felizes para sempre até o dia em que Okerê encheu a cara de cachaça e esqueceu o prometido, passando a dizer gracinhas a respeito da protuberância das tetas de Iemanjá. Magoada e ofendida, a peituda saiu correndo mundo afora, levando um pote de porção mágica que sua mãe lhe dera para ser usado em caso de necessidade. Durante a fuga, Iemanjá tropeçou, foi ao chão, quebrando o pote da porção mágica, que a transformou em um caudaloso rio, correndo para o mar. Okerê, ciente da besteira que tinha feito pois não se pode brincar com a vaidade feminina, se transformou em uma montanha para represar as águas do mais novo rio do seu reinado. Iemanjá pediu ajuda ao seu filho Xangô, o mal-humorado, e este partiu a montanha ao meio, com um raio de não sei quantos megatons, seguindo o rio o seu curso normal, alcançando o mar, e Iemanjá se transformando na rainha das águas, para júbilo e deleite da vaidade feminina.
Se alguém quiser convidá-la para uma farra, tem que ser regada a champanhe, de preferência francesa, pois é a mais chique das divindades, não aceitando oferenda de um-nove-nove ou presente importado do Paraguai.
Seus filhos, predominantemente de mulheres, devem vestir branco e prata, aos sábados. Sua festa anual é no dia 2 de fevereiro. O santo correspondente no sincretismo é Nossa Senhora e algumas de suas denominações.
Ewê, ewê ô!
Ossaim é o orixá das folhas e das liturgias, detentor dos segredos medicinais e conhecedor das palavras que despertam o axé (força, poder) das folhas e por isso é o primeiro orixá consagrado nos rituais do candomblé, pois as folhas estão diretamente relacionadas com o cotidiano dos seguidores da afro-religião e, por causa disso, sem Ossaim e sua cura por meio das folhas, não há axé nos candomblés nem batuques nos terreiros gaúchos.
Filho caçula de Iemanjá e Oxalá, nascido na região de Iraô, na Nigéria, desde pequeno vivia no mato e aprendeu com Olodumaré o segredo das folhas, e assim viajou o mundo curando o povo. Como não havia dinheiro naquele tempo, recebia mel, fumo e cachaça como pagamento.
Os outros orixás, seus irmãos, viviam enciumados com o sucesso de Ossaim. O temperamental Xangô, um dia pediu a Iansã, sua esposa, para que soprasse um vento e espalhasse as folhas para ele e os outros orixás, para que cada um obtivesse os segredos das folhas e assim não precisassem mais dos favores do irmão, que a tudo cobrava. Iansã atendeu o pedido do marido e mandou o maior vendaval, espalhando as folhas por todo o reino de Aruanda. No meio da ventania, Ossain gritou: “eu, eu assa!”, que significava “oh, folhas” e assim evitou que o poder das mesmas fosse distribuído com os outros, pois, embora pareça fácil, só ele sabia pronunciar essas palavras e conhecer as forças de cada uma delas. Sem outra alternativa, os outros orixás tiveram que devolver as folhas para Ossaim, pois, nas mãos deles, não passavam de folhas mortas.
Carrega um bastão metálico de sete pontas, com um pombo no centro e o seu dia é a segunda-feira, para o Candomblé, e a terça-feira, para o Batuque, e seus filhos devem vestir verde e branco (Candomblé) e verde e amarelo (Batuque).*
*O Batuque é um variante do Candomblé, no Rio Grande do Sul.
Loci, loci, Logum!
Já falei da disputa de Oxum, a mais bela das divindades, e da guerreira Obá, a orixá de uma orelha só e dos amores impossíveis, pelo amor de Xangô, o orixá dos raios, e que culminou na maior disputa culinária que Xangô pôde apreciar e degustar.
Só que Oxum, a deusa da fertilidade, tempos antes de se meter nessa encrenca, era casada com Ogum, o ferreiro guerreiro, e nutria uma paixão desenfreada por Oxossi, o todo-poderoso. Um dia, Ogum partiu para mais uma batalha e Oxum aproveitou para pular a cerca e, como as orixás não usavam anticoncepcional nem se preveniam com camisinha, Oxum ficou grávida de Oxossi.
Nove meses passados, Ogum mandou avisar que estava de volta, justamente quando Oxum dava a luz ao filho de Oxossi. Não podendo mostrar o rebento para o marido, prova cabal de sua traição, deixou o filho em cima de um lírio e foi acalmar Ogum, que voltava doido por um xodó.
Tempos depois, passeando Iansã pela mata, encontrou o menino e o criou, ensinando- o a arte da caça e da pesca. Deu-lhe o nome de Logum Edé que se tornou no mais belo dos orixás.
Caçador nato, certo dia ele se encontrava no alto de uma cachoeira e avistou uma bela mulher se olhando no espelho. Parou e ficou admirando aquela deusa da beleza e da sensualidade, sem saber que se tratava da sua mãe.
Oxum, sentindo-se observada e desejada, mirou o espelho para Logum Edé que caiu encantado dentro d'água, transformado em cavalo-marinho. Ao saber do acontecido, Iansã procurou Ogum e lhe disse tratar-se do seu filho bastardo. Oxum desfez o encantamento, porém transformou Logun Edé em um anfíbio, sendo que seis meses viveria na água e seis meses na terra.
Único orixá hermafrodita, no Brasil ele é cultuado como caçador e em uma parte da África também; a outra parte acha que ele é uma versão masculina de Oxum. O seu dia é a quinta-feira e os seus filhos devem vestir azul-turquesa e amarelo. O seu símbolo é o ofá (arco e flecha) e o leque, chamado de abebé.


Conto 06 - A Vovó e os Netinhos
Burukê Salubá Nanã!
Nana Burukê, a ancestral dos orixás, é a deidade dos lagos e pântanos, mas não é por isso que alguns dos seus filhos vivem no atoleiro. Às vezes é considerada a mãe, outras vezes, a avó dos orixás. Como acontece na vida real, está sendo relegada a segundo plano e alguns terreiros já a internaram em asilo para velhinhos. Na sua juventude, foi considerada a mãe da Terra, a divindade que tudo sabia e que tudo determinava, mas, com o passar do tempo, arranjaram-lhe outra função, a de guia das almas desencarnadas, mas já há quem pense em destituí-la de tal função pois, devido à idade avançada, não tem mais discernimento na hora de separar o joio do trigo, ou seja, está conduzindo a alma de alguns políticos para a Ala dos Inocentes.
Usa uma vassoura de palha para neutralizar as energias negativas do ar e purificar a atmosfera, e aquele que tem olho gordo não deve passar por perto do seu terreiro, porém os seus filhos, poucos mas tem, devem se manifestar no dia de sábado, usando roxo, branco e azul escuro.
Ibeji omo olorum!
Ibeji oró!
Orixás erês (crianças), portadores da alegria e da pureza, protetores dos irmãos gêmeos e dominadores de tudo que nasce, os Ibejis são divindades gêmeas infantis, muito festejadas no mês de setembro, principalmente por aqueles que tiveram filhos gêmeos. Brincalhões e irreverentes, têm o seu culto próprio, apesar de, em algumas variantes da afro-religião, serem considerados como Xangô e Oxum crianças.
Não há cores preferidas no seu dia, sendo que as mais utilizadas são as cores vermelha, branca, azul e amarela. O seu dia é terça-feira e domingo e a festa anual é em 27 de setembro. No sincretismo católico, corresponde a São Cosme e a São Damião.
Havia dois pequenos príncipes gêmeos que trazia a sorte para as pessoas e resolviam problemas insolúveis, inclusive dor-de-cotovelo e menopausa precoce. Como eram crianças, só aceitavam pagamento em doces, guloseimas, brinquedos ou viagem de férias para a Disney.
Como não poderia deixar de ser, eram muito peraltas e viviam aprontando poucas e boas, apesar dos seus pais serem rígidos na educação. Um dia de aula comum, desviaram-se da escola para tomar banho de cachoeira. Um deles escorregou do alto do penhasco, caiu no rio e morreu afogado, o que levou o rei a decretar luto oficial por três dias. O príncipe sobrevivente não se perdoava pela infeliz idéia de ter convencido o irmão a gazetear a aula para um banho de rio e também queria morrer. Vivia chorando pelos cantos, sem comer nada, e orando a Orumilá para levá-lo também, pois sentia muita saudade do irmão. Sensibilizada, Orumilá resolveu atender ao seu pedido e o levou a passear com o irmão em nuvens de algodão doce, deixando na terra duas imagens de barro, as quais devem ser deixadas oferendas pelos seus devotos.


Conto 07 – As Criaturas
Arrumbobô!
Nana Burukê concebeu um filho de Oxalá, o terrível e temível de feio Obaluaiyê, um monstro, se comparado aos outros bebês de Aruanda. Quando Nanã Burukê passava com o primogênito, as outras mães começavam a cantar: “ô, coisinha/ tão bonitinho/ do pai!” e a mulher de Oxalá foi consultar Ifá, o orixá ginecologista, e este lhe disse que convencesse Oxalá a lhe dar outro filho, que seria uma candura de menino, belo o tanto quanto o arco-íris, porém ela não privaria de sua companhia, não poderia amamentá-lo nem trocar a sua fralda.
E assim, depois que engravidou, passou a esnobar as vizinhas, pois sabia que o seu filho seria uma belezura de menino. Nove meses depois nasceu um estranho rebento, que recebeu o nome de Oxumaré. Quando a enfermeira levou o garoto para a mãe dar um cheiro, ele se transformou em um arco-íris e desapareceu no céu, e, como dizia as profecias, durante seis meses do ano ele passou a decompor as cores da luz, canalizando água para o seu pai Oxalá, em Aruanda. Os outros seis meses ele se transformava em cobra, que dava uma volta na Terra. Faminto, queria comer o próprio rabo e, de tanto se esforçar, deu um solavanco no planeta e este nunca mais parou de girar sobre o seu eixo.
Considerado o transmissor do axé e da sabedoria, Senhor do arco-íris, o seu símbolo da cobra mordendo o próprio rabo representa a Vida, a Morte e o Renascimento. O seu dia é a quinta-feira, suas cores são amarelas e pretas e deve se usar um adorno com duas cobras de metal.
Atotô Obaluaiê! Atotô baba!
Omolu, o representante da varíola e de todo tipo de epidemia, mete medo em quem o vê. Irmão mais velho de Oxumaré, vive enrolado dos pés à cabeça para esconder as feridas e o corpo esquelético, e curvado sob as dores e os tremores da febre. Carrega um cetro adornado em contas e búzios, de nome Xaxará, que usa como captador de cargas negativas.
Também é conhecido como Xapanã e Obaluyaiê, quase não há seguidores, sendo que os poucos filhos devem vestir preto, vermelho e branco no dia de segunda-feira. No sincretismo, corresponde a São Lázaro, o santo das chagas, e sua festa anual é em 17 de dezembro.
Irrô!
Rincô Ewá!
Ewá era uma exímia e bela caçadora. Sua beleza não só ofuscava os admiradores, como também cegava, devido ao veneno que ela lançava em quem ousasse lhe encarar ou lhe dar uma simples piscadela de olhos. Um dia ela encontrou Omolu, o Ser Supremo, vadiando pela mata e por ele se apaixonou perdidamente. Casaram-se na igreja e no civil, porém Omulu era extremamente ciumento e um dia, desconfiado dos bochichos à boca pequena da vizinhança fofoqueira, se invocou que estava sendo traído e prendeu Ewá em um formigueiro, deixando-a entregue à própria sorte. As formigas fizeram um banquete com a carne da rainha da caça e da beleza, e quando Ewá ameaçou dar o último suspiro, Omulu apareceu e a levou para casa, certo de que a sirigaita havia aprendido a lição. Ewá ficou totalmente deformada pelas picadas das formigas, cheia de hematomas pelo corpo. O seu rosto, cuja beleza matara muita gente, virou um rosto feio e disforme, tomado pelas cicatrizes. Omulu a cobriu de palha-da-costa, de coloração vermelha, para que ninguém visse sua feiúra nem o repreendesse pelo castigo dado à esposa por uma simples suspeita. Qualquer semelhança com o mundo dos mortais é mera coincidência.
É considerada a orixá da temperança e da pureza. Os seus filhos devem vestir vermelho, no sábado.
Laroiê Exu Mojubá!
Ao contrário do que se pensa a respeito dele, Exu é o mensageiro dos orixás, elemento de ligação entre o mundo dos vivos e o espiritual. De tanto subir e descer, adquiriu o vício dos humanos e só trabalha mediante pagamento, quer seja em dinheiro, bebida ou sacrifício de animais. Quem não cumprir o trato, será severamente castigado por ele.
No jogo de Ifá (jogo de búzios), ele é portador da resposta.
Conhecido também como Legba ou Elegba, carrega sempre seu bastão de madeira de nome Ógo e os seus poucos seguidores devem usar roupa preta e vermelha nos dias de segunda-feira. Não há santo correspondente na religião católica, sendo que ele é erroneamente comparado com o Diabo. Mas, por precaução, é melhor não invocá-lo em vão, pois há três tipos de Exus (Pagão, Batizado e Coroado) e um deles, o Pagão, gosta de reverter as coisas quando não se sai bem lá em cima. Ou seja: o feitiço pode virar contra o feiticeiro.
Todo orixá tem um Exu, ou o seu mensageiro.

Por Ronaldo Torres 

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