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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Livre-Arbítrio

    
    A questão do livre-arbítrio pode resumir-se assim: O homem não é fatalmente conduzido ao mal; os atos que pratica não “estavam escritos”; os crimes que comete não são o resultado de um decreto do destino. Ele pode, como prova e como expiação, escolher uma existência em que se sentirá arrastado para o crime, seja pelo meio em que estiver situado, seja pelas circunstâncias supervenientes.

     Mas será sempre livre de agir como quiser. Assim, o livre-arbítrio existe no estado de Espírito, com a escolha da existência e das provas; e no estado corpóreo, com a faculdade de ceder ou resistir os arrastamentos a que voluntariamente estamos submetidos. Cabe à educação combater as más tendências, e ela o fará de maneira eficiente quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral chegar-se-á a modificá-la, como se modificam a inteligência pela instrução e as condições físicas pela higiene.

     O Espírito desligado da matéria, no estado errante, faz a escolha de suas futuras existências  corpóreas segundo o grau  de  perfeição que tenha atingido.  É nisso, como já dissemos, que consiste sobretudo o seu livre-arbítrio. Essa liberdade não é anulada pela encarnação. Se ele cede à influência da matéria, é então que sucumbe nas provas por ele mesmo escolhidas. E é para o ajudar a superá-las que pode invocar a assistência de Deus e dos bons Espíritos.

     Sem o livre-arbítrio o homem não tem culpa no mal, nem mérito no bem; e isto é de tal modo reconhecido que no mundo se proporciona sempre a censura ou o elogio à intenção, o que quer dizer à vontade; ora, quem diz vontade, diz liberdade. O homem não poderia, portanto, procurar desculpas no seu organismo para as suas faltas sem com isso abdicar da razão e da própria condição humana, para se assemelhar aos animais.

     Se assim é para o mal, assim mesmo devia ser para o bem. Mas, quando o homem pratica o bem, tem grande cuidado em consignar o mérito a seu favor e não trata de o atribuir aos seus órgãos, prova de que instintivamente ele não renuncia, malgrado a opinião de alguns sistemáticos, ao mais belo privilégio da sua espécie: a liberdade de pensar.

     A fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a decisão prévia e irrevogável de todos os acontecimentos da vida, qualquer que seja a sua importância. Se assim fosse, o homem seria uma máquina destituída de vontade. Para que lhe serviria a inteligência, se ele fosse invariavelmente dominado, em todos os seus atos, pelo poder do destino?

     Semelhante doutrina, se verdadeira, representaria a destruição de toda liberdade moral; não haveria mais responsabilidade para o homem, nem mal, nem crime, nem virtude. Deus, soberanamente justo, não poderia castigar as suas criaturas por faltas que não dependiam delas, nem recompensá-las por virtudes de que não teriam o mérito. Semelhante lei seria ainda a negação da lei do progresso, porque o homem que tudo esperasse da sorte nada tentaria fazer para melhorar a sua posição, desde que não poderia torná-la melhor nem pior.

     A fatalidade não é, entretanto, uma palavra vã; ela existe no tocante à posição do homem na Terra e às funções que nela desempenha, como conseqüência do gênero de existência que o seu Espírito escolheu, como prova, expiação ou missão. Sofre ele, de maneira fatal, todas as vicissitudes dessa existência e todas as tendências boas ou más que lhes são inerentes. Mas a isso se reduz a fatalidade, porque depende da sua vontade ceder ou não a essas tendências. Os detalhes dos acontecimentos estão na dependência das circunstâncias que ele mesmo provoque, com os seus atos, e sobre os quais podem influir os Espíritos, através dos pensamentos que lhe sugerem.

     A fatalidade está, portanto, nos acontecimentos que se apresentam ao homem como conseqüência da escolha de existência feita pelo Espírito; mas pode não estar no resultado desses acontecimentos, pois pode depender do homem a modificação do curso das coisas, pela sua prudência; e jamais se encontra nos atos da vida moral.

     É na morte que o homem é submetido, de uma maneira absoluta, à inexorável lei da fatalidade, porque ele não pode fugir ao decreto que fixa o termo de sua existência, nem ao gênero de morte que deve interromper-lhe o curso.

     Segundo a doutrina comum, o homem tiraria de si mesmo todos os instintos; estes procederiam, seja da sua organização física, pela qual ele não seria responsável, seja da sua própria natureza, na qual pode procurar uma escusa para si mesmo, dizendo que não é sua culpa de ter sido criado daquela forma.

     A doutrina espírita é evidentemente mais moral: ela admite para o homem o livre-arbítrio em toda a sua plenitude; e ao lhe dizer que, se pratica o mal, cede a uma sugestão má que lhe vem de fora, deixa-lhe toda a responsabilidade, pois lhe reconhece o poder de resistir, coisa evidentemente mais fácil do que se tivesse de lutar contra a sua própria natureza.

     Assim, segundo a doutrina espírita, não existem arrastamentos irresistíveis: o homem pode sempre fechar os ouvidos à voz oculta que o solicita para o mal no seu foro íntimo, como o pode fechar à foz material de alguém que lhe fale; ele o pode pela sua vontade, pedindo a Deus a força necessária e reclamando para esse fim a assistência dos bons Espíritos. É isso que Jesus ensina na sublime forma da oração dominical, quando nos manda dizer: “Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”.

     Essa teoria da causa excitante dos nossos atos ressalta evidentemente de todos os ensinamentos dados pelos Espíritos. E não somente é sublime de moralidade, mas acrescentaremos que eleva o homem aos seus próprios olhos, mostrando-o capaz de sacudir um jugo obsessor, como é capaz de fechar sua porta aos importunos. Dessa maneira, ele não é mais uma máquina agindo por impulsão estranha à sua vontade, mas um ser dotado de razão, que ouve, julga e escolhe livremente entre dois conselhos.

     Acrescentemos que, malgrado isso, o homem não fica privado de iniciativa, não age menos pelo seu próprio impulso, pois em definitivo ele não passa de um Espírito encarnado que conserva, sob o invólucro corpóreo, as qualidades e os defeitos que tinha como Espírito.

     As faltas que cometemos têm, portanto, sua origem primeira nas imperfeições do nosso próprio Espírito, que ainda não atingiu a superioridade moral a que se destina, mas nem por isso tem menos livre-arbítrio. A vida corpórea lhe é dada para purgar-se de suas imperfeições, que o tornam mais fraco e mais acessível às sugestões de outros Espíritos imperfeitos, que se aproveitam do fato para fazê-lo sucumbir na luta que empreendeu.

     Se ele sai vitorioso dessa luta, se eleva; se fracassa, continua a ser o que era, nem pior, nem melhor: é uma prova que terá de recomeçar e para o que ainda poderá demorar muito tempo na condição em que se encontra. Quando mais ele se depura, mais diminuem as suas fraquezas e menos acessível se torna aos que o solicitam para o mal. Sua força moral cresce na razão da sua elevação, e os maus Espíritos se distanciam dele.

     Todos os Espíritos mais ou menos bons, quando encarnados, constituem a espécie humana. E como a nossa Terra é um dos mundos menos adiantados, nela se encontram mais Espíritos maus do que bons; eis porque nela vemos tanta perversidade. Façamos, pois, todos os esforços para não regressar a este mundo após esta passagem e para merecermos repouso num mundo melhor, num desses mundos privilegiados onde o bem reina inteiramente e onde nos lembraremos de nossa permanência neste planeta como de um tempo de exílio.  (Allan Kardec - Q. 872 - L. E.) 


     Desconheço a autoria.

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