Sentadinho no seu toco, afastado do médium que lhe deveria
servir de instrumento encarnado, o Preto-Velho deixava suas lágrimas
rolar rosto abaixo. Observando agora calado, estava cansado e já
esgotara seus argumentos junto aquele moço que usava o nome de seu
protetor, para dar passagem à sua vaidade.
Depois de uma mediunidade reprimida por longos anos, o rapaz que já havia passado por inúmeras Casas Espíritas, achou interessante o trabalho que se fazia nos terreiros de Umbanda e resolveu assumir sua mediunidade que a tanto lhe pediam que fizesse.
Entrou
para o curso que a Casa oferecia, onde se pretendia educar os médiuns,
discipliná-los para que se tornassem bons instrumentos. Mas na verdade o
que lhe atraía mesmo eram os rituais, as incorporações, o toque dos
atabaques...
Depois de trabalhar como cambone por algum tempo, seu
Preto-velho, feliz pela aceitação do aparelho, se chegou e por alguns
anos trabalharam em perfeita harmonia auxiliando os necessitados,
exercendo a caridade tão útil e necessária para ambos.
Certo
dia um amigo lhe convidou para ir com ele consultar uma tal de “Cigana
Flor”, que segundo ele, lia as mãos e também as cartas e que desvendava o
futuro de qualquer pessoa.
Quando
recebeu o convite, quase recusou, lembrando das palavras de seu
protetor preto velho que sempre aconselhava os consulentes, evitarem
buscar milagres fora de si mesmos, mas a curiosidade foi mais forte e se
deixou vencer por ela.
Pagando
para isso, ouviu da “Cigana” o queria ouvir para inflar seu ego. O
local já instigava ao mistério, pois além do ambiente muito colorido,
exalando o cheiro forte de incenso, ela mantinha amuletos variados
dependurados pela “tenda”, o que criava um certo temor.
Muito
bonita, vestia-se exoticamente como cigana e mantinha um sorriso
teatral no rosto. Além de muitas adivinhações de seu futuro, ela afirmou
que o rapaz tinha um cigano como companheiro espiritual com o qual
deveria passar a trabalhar, e que isso lhe traria um sucesso material
certo.
Como tudo o que se afiniza conosco, encontra ressonância em
seu ser, aquilo começou a incomodar a sua mente, tirando-lhe o sono e
começou a sonhar com dias propícios, com viagens, com bens materiais que
com certeza, o emprego de simples funcionário público não lhe daria no
futuro.
Durante
o sono, o bondoso Preto-Velho tentou lhe arrancar deste estado
hipnótico, porém seu esforço foi em vão, pois o rapaz retornou ainda à
cabana da “Cigana Flor” e em cada vez sua energia se afinizava mais com
as entidades que lá estavam e cujo malefício, ele ignorava.
Daí
em diante, pela faixa vibratória em que adentrara, tornou- se
impossível a aproximação do espírito cuja missão era de reencaminhar
aquele ser encarnado, tantas vezes falido.
Continuando a freqüentar o
terreiro de Umbanda, o rapaz não se deu conta da diferença energética
das vibrações que agora recebi a. Hipnotizado e conduzido pela entidades
que buscou exercendo seu livre arbítrio, agora era escravo deles e
mesmo pensando que era seu Preto-Velho a quem dava passagem, na verdade
estava sendo médium das trevas.
O
dirigente da Casa, orientado pelo seu guia, iniciou um chama- mento de
atenção à corrente mediúnica, esclarecendo sobre o perigo de cada um
deles em servir de “braço para as trevas” dentro do terreiro. Alertava
sobre a fé racional, e a importância de se evitar os fenômenos em
detrimento da simplicidade que deveria se revestir a caridade.
Além
disso, o Guia Chefe, incorporado, por várias oportunidades chegou a
pedir que os médiuns que estavam buscando outras bandas, que tivessem o
bom senso de escolher o lado que queriam seguir, para se evitar que a
dor viesse como chamamento à realidade. Indiferente, mesmo com a
consciência pesada, ele prosseguiu qual animal em busca do corredor do
matadouro.
Nesta
noite porém, por ordem dos Superiores que mantinham a proteção daquele
terreiro, seria dado uma chance àquele espírito orgulhoso que se fingia
de Preto-Velho e que agora se dizia mentor do rapaz. Ele seria instigado
a desvendar a máscara e assim se fez.
Quando
os atendimentos encerravam e através das preces cantadas e pontos
riscados foram feitos campos de força no plano astral, impedindo que
aquele espírito pudesse sair livremente dali. Grudando-se ao médium, ele
manifestou toda sua ira e o baixo nível em que se encontrava. Desafiou a
luz e a direção da Casa, dizendo que ali entrava qualquer um e fazia o
que queria e que ele iria se instalar com toda sua falange, para mostrar
como se fazia magia de verdade.
Sob o comando de Ogum, os guardiões Exús atuaram após a tentativa inútil de diálogo com a entidade, afastando-o do ambiente.
O médium por sua vez, após a desincorporação de seu “amigo”, tentando se justificar, fingiu passar mal.
Atuando
em outro aparelho disponível, seu verdadeiro protetor agora
manifestava-se para dizer a ele que, para sua tristeza, a escolha fora
feita e que pelas cores exaladas, seu corpo energético demonstrava que
ele não estava arrependido do consórcio que fizera. A partir de então,
liberava-o para seguir seu caminho e solicitava ao dirigente do terreiro
que desligasse o médium da corrente, pois uma fruta podre pode estragar
o cesto todo.
Indignado, o rapaz agora saía do ambiente dizendo
palavrões e impropérios à toda corrente, demonstrando suas verdadeiras
intenções, prometendo mostrar o poder que tinha. Seus afins espirituais o
esperavam na rua e o intuíram a buscar naquele momento mesmo a “Cigana
Flor”.
Desequilibrado
e sob a influência do mal, passou num bar para beber e quando saía
dali, já tonto, encontrou na porta aquela que se passava por “Cigana”,
acompanhada de seu atual namorado. Sem pensar muito, barrou a moça,
agarrando-se no seu braço e dizendo que ela fosse para casa para
atendê-lo. Por sua vez, o namorado da moça, o qual também estava com
companhias espirituais nada recomendáveis, envolvido pela energia brutal
dos mesmos, enciumado, virou-se e deferiu vários golpes contra o rapaz
que desacordado foi levado ao hospital e não resistindo, desencarnou.
Em
tal estado vibratório, se viu fora do corpo sendo arrastado pelos
“amigos” que fizera nos últimos tempos no lado espiritual e que sabendo
de sua mediunidade, agora o levavam como escravo, para as zonas
umbralinas mais densas.
Mais uma vez a falência daquele espírito. A
vaidade, o orgulho, o materialismo, a soberba. Sementes que trazemos
adormecidas em nosso espírito e que se adubadas podem invadir a lavoura
do bem, sufocando e matando qual erva daninha.
A nós cabe a escolha de priorizar o bem ou o mal, sabendo que tudo na vida tem um preço a ser pago.
Seu
protetor Preto-Velho, atua ainda na Umbanda através de outro
instrumento que lhe faz jus, mas não se cansa de descer às zonas mais
densas em busca do arrependimento de seu pupilo, pois sabe que um dia
ele virá.
E
nova tentativa se fará, pois a essência de todo homem é o bem. O mal, é
máscara transitória que usamos para nos esconder de nós mesmos, pois
diante do Supremo somos todos transparentes. Sempre!
História contada por Vovó Benta.
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