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terça-feira, 19 de julho de 2011

Simples Charuto de Caboclo



Ligia segurava o charuto do caboclo que estava a cambonar enquanto a entidade em questão participava dos trabalhos em uma roda de descarrego.

Terminada a tarefa o caboclo dirigiu-se em direção a sua cambone e pediu o charuto de volta agradecendo-a por haver segurado o seu instrumento de trabalho, mas Ligia, não se contendo de sadia curiosidade, perguntou a entidade:

— Senhor caboclo?

— Pois não fia?

— O senhor poderia esclarecer-me uma dúvida?

— Pode fazer pergunta fia!

— O que eu gostaria de saber é o seguinte: por que o senhor sempre me agradece a cada vez que eu entrego o charuto que estou segurando de volta para as suas mãos?

— Suncê quer saber fia?

— Se for possível, gostaria sim.

— Fia, antes de caboclo responder, observe a atuação da nossa linha de trabalho nesta próxima roda de descarrego, sim?

— Sim senhor!

Após trabalhar com todas as pessoas que estavam naquela roda de descarrego a entidade estendeu sua destra a fim de que sua cambone segurasse o seu charuto enquanto ele e as demais entidades que participavam dos trabalhos na roda pudessem finalizar o trabalho.

Ao término daquela roda de descarga a entidade, então, tornou junto à Ligia dizendo:

— Entrega o pito de volta para Caboclo fia!

Ligia devolveu o charuto à entidade que, então, disse-lhe:

— Este caboclo agradece por toda sua atenção.

Ligia sorriu meio que ainda sem entender o porquê daquele agradecimento e o caboclo perguntou a ela:

— E então fia? O que suncê observou do nosso trabalho junto à roda de descarrego?

— Bem, eu observei algumas coisas, mas fica difícil de dizer algo, no aspecto geral, sobre o trabalho dos caboclos em uma roda de descarrego por que cada um trabalha de um jeito diferente em cada assistência.

— Isto até que é verdade, mas o que suncê observou de semelhante no trabalho de qualquer mano caboclo lá na roda?

 — A fumaça do charuto! Nenhum dos senhores trabalha sem ela!

— Muito bem observado fia!

A entidade soltava umas baforadas do seu charuto enquanto fitava o semblante de Ligia e, após alguns instantes, perguntou a ela:

— Suncê ainda não entendeu porque que caboclo lhe agradece por segurar o pito dele, não é?

— Não senhor!

— Fia suncê tem o dom para isso e é por esse motivo que caboclo vai dilatar um pouco de sua percepção sensorial.

— Sim senhor!

A entidade estalava os dedos e soltavas algumas baforadas do seu charuto por toda a cabeça de Ligia. O processo durou poucos segundos e quando terminou a entidade solicitou a Ligia que abrisse os olhos.

— Nossa senhor caboclo!

— O que foi fia?

— É que eu fiquei com um pouco de tontura.

— Não se preocupe que já, já ela passa.

— Sim senhor, na verdade ela já está passando.

— Fia este caboclo vai participar de outra roda de descarrego e pede a suncê que continue a observar pra ver se descobre o porquê do nosso agradecimento, sim?

— Sim senhor.

Quando o caboclo terminou de realizar o seu trabalho com o charuto naquela roda ele, então, estendeu o braço para Ligia que, prontamente, segurou o charuto em suas mãos.

Minutos depois de terminada mais uma roda de descarrego a entidade pediu a Ligia:

— Entrega de volta o pito pra Caboclo fia!

Ligia assim o fez e ele novamente agradeceu-a para depois perguntar:

— E agora fia? O que suncê observou do nosso trabalho na roda?

— Nossa senhor caboclo! Parecia que eu estava ficando louca!

— Por que isso fia?

— Parecia que a fumaça do charuto dos senhores funcionava perispiritualmente para os assistidos na roda como se fosse uma espécie de chuveiro que tira todas as sujeiras do corpo físico.

A entidade sorriu com a comparação de Lígia e ela prosseguiu:

— É sério Sr. Caboclo! Quando a roda de descarrego terminou alguma coisa nelas parecia que estava muito mais limpo do que antes: algumas pessoas respiravam melhor, outras estavam como se tivessem retirado um peso do coração, enfim foi muito bonito de se ver.

— Fia antes de ir para a próxima roda de descarrego este caboclo pede que suncê segure o pito dele.

E, estendendo-lhe a destra, o caboclo entregou o charuto a sua cambone solicitando:

— Fia, agora feche os seus olhos e faça uma prece ao Criador pedindo bênçãos por todos aqueles que ainda passarão pelas rodas de descarga na gira de hoje!

— Sim senhor!

Ligia fez a prece com todo o fervor de sua mente e do seu coração e, então, abriu os olhos.

A entidade, assim, disse-lhe:

— Fia este caboclo agradece por suncê ter segurado o pito dele mais uma vez e pede que suncê observe o trabalho de nós em mais uma roda de descarga para ver se agora descobre o porquê dele agradecer a suncê por segurar o pito, tudo bem?

— Sim senhor!

Quando o caboclo terminou de realizar o seu trabalho com o charuto naquela roda ele, então, estendeu o braço e Ligia, prontamente, segurou em suas mãos o charuto da entidade.

O trabalho naquela roda foi finalizado e quando a entidade aproximou-se de Lígia esta estendeu-lhe as mãos na intenção de devolver o charuto para o caboclo, mas este lhe disse:

— Deixe o pito por mais um tempo em suas mãos que na hora certa este caboclo pede de volta a suncê, sim fia?

— Sim senhor!

— Este caboclo agradece por toda sua dedicação fia e pergunta: o que suncê observou nos trabalhos da última roda que caboclo acabou de participar?

— Senhor caboclo eu realmente observei algumas coisas, mas eu peço ao senhor que, se eu houver visto demais, que o senhor fale francamente comigo como sempre o fez.

— Nossa fia Ligia! Mas por que todo este alvoroço?

— Por que se na penúltima roda que o senhor participou eu percebi que a fumaça dos charutos funciona como a água de um chuveiro, nesta última roda parece que eu vi o que funciona como uma espécie de sabão ou sabonete.

A entidade deu um discreto sorriso para sua cambone e esta tornou a dizer-lhe:

— E então Senhor caboclo? Eu vi coisa onde não existia?

— De forma alguma fia! Suncê só viu o que havia para ver!

— Nossa, mas o senhor fala isto de uma maneira tão calma!

— E qual é o espanto nisto fia?

— Por que o desconhecido assusta um pouco e eu não sei nem um pouco do que eu vi.

— Fia, mas é como suncê mesma disse antes: o que tem de assustador em se tomar uma boa ducha?

— Ducha?

— É fia ou, como suncês encarnados mesmo dizem uma boa chuveirada!

— ?????

— Fia conte pra este caboclo o que foi que suncê viu!

— Bem, enquanto o senhor dava umas baforadas em uma pessoa da roda de descarrego milhares de minúsculos seres ficavam a rodear esta assistência em questão sempre na direção da cabeça para os pés. Estas espécies de seres giravam numa velocidade absurdamente alta e direcionada como se estivessem sendo controlados por alguém a distância. Eles apareciam e sumiam como que por encanto quando o senhor terminava o trabalho em uma pessoa participante da roda de descarga e passava para outra. Bom, foi isto que eu vi.

— A fia só está se esquecendo de um detalhe fundamental em tudo que observou da participação deste caboclo na última roda de descarrego!

— Verdade?

— Fia, fale uma coisa pra este caboclo!

— Sim senhor!

— Segundo a sua observação, participar desta última roda de descarrego foi mais fácil ou mais difícil do que a penúltima em que este caboclo participou?

— Ah, é verdade! Bom quem estava na dinâmica do trabalho lá na roda é o senhor, mas para mim que observava dava a nítida impressão que o senhor conseguia realizar o trabalho com muito mais facilidade, tendo em vista que na penúltima roda parecia que o senhor se concentrava muito mais para poder fazer o seu trabalho do que nesta última.

— Não foi impressão sua fia: para este caboclo, trabalhar nesta ultima roda, foi muito mais fácil que na penúltima e você fia teve uma grande parcela de responsabilidade para que caboclo obtivesse esta facilidade.

— Eu?

— Claro fia, não é suncê que é a cambone deste caboclo?

— Sou eu sim senhor, mas não sei dizer qual foi minha contribuição!

— Pense um pouco minha filha! Qual foi a grande diferença entre a penúltima e a última vez que suncê entregou o pito para este caboclo antes dele participar das rodas?

— Na ultima vez, diferentemente da penúltima, eu fiz uma prece ao Criador pedindo bênçãos para todas as assistências que participariam das rodas. Foi isto senhor caboclo? A prece que fiz a Deus?

— Fia toda prece a Tupã é sempre muito válida em nosso trabalho de fazer a caridade, mas suncê pode relembrar para este caboclo o que suncê possuía em mãos quando proferiu a referida prece?

— Meu Deus é verdade! Em minhas mãos estava o charuto do senhor!

— Exatamente fia! E então, suncê descobriu por que caboclo agradece suncê a cada vez que pede o pito dele?

— O senhor me desculpe, mas é que eu ainda não consegui chegar lá!

— Então este caboclo não vai mais fazer mistério fia: Caboclo agradece a suncê por que a cada vez que sunce entrega o pito de volta pra ele, acaba entregando junto boa parte de sua firmeza, de sua vibração, de sua energia.

— Eu???

— Não só suncê, mas cada cambone que trabalha junto a cada mano caboclo que milita em cada terreiro de Umbanda neste mundo de Tupã Nosso Pai.

— Isto é surpreendente!

— Antes da última roda que caboclo participou suncê fez prece sentida a Tupã e entregou o pito pra caboclo trabalhar cheio destas sutilíssimas e importantíssimas vibrações do desejo de caridade ao próximo.

— Sim, mas eu devo ser sincera e dizer que só fiz isto da última vez.

— Este caboclo sabe.

— Mas se das outras vezes que eu segurava o charuto do senhor eu não fazia prece alguma por que o senhor, mesmo assim, me agradecia?

— Independente de suncê fazer preces ou não, a cada vez que suncê entrega o pito para caboclo, suncê passa muito de sua energia para ele.

— Mas e se eu não estiver com energia boa no dia da gira? Eu vou acabar passando o pito para o senhor impregnado com minhas energias não muito positivas, mesmo assim o senhor me agradeceria?

— Já houve alguma gira que suncê entregou o pito pra Caboclo e ele não lhe agradeceu?

— Não senhor!

— Mas já houve giras em que suncê veio trabalhar com uma energia não muito boa, não é verdade?

— Isto é verdade, mas então por que o senhor sempre agradece?

— Fia, na verdade, o que caboclo agradece é a oportunidade de trabalho no bem que suncês dá pra nós. Umbanda é parceria fia!

— Desculpe, mas como é?

— Parceria fia: estar juntos por um objetivo em comum. Quando suncês cambones estão bem, então suncês fazem preces ou não as fazem, mas entregam o pito para nós com as energias boas que suncês estão naquele dia para nós trabalhar em favor do próximo, não é assim?

— É sim senhor!

— Já quando é suncês que não estão bem, daí somos nós que fazemos preces ao Criador, enquanto seguramos o nosso pito, rogando que suncês possam encontrar melhoras para as dificuldades de suncês e ajudar nós a trabalhar em nome da caridade cada vez mais e melhor e daí, somente após esta prece fervorosa, é que nós entregamos o pito de volta pra suncês segurar a fim de que, captando um pouco de nossa energia que deixamos no pito, suncês consigam encontrar um pouco de lenitivo que o merecimento de suncês lhes facultar.

— Meu Deus, mas isto é lindo!

Assim exclamou Ligia com a voz embargada de emoção pungente e sincera.

— Isto é Umbanda fia e Umbanda, como caboclo disse, é parceria: quando suncê não está bem e entrega o pito impregnado de energias não muito positivas para caboclo, ele então, quando pega este pito das suas mãos, agradece a suncê pela oportunidade que suncê está dando a ele de trabalhar junto a Tupã objetivando a sua melhora energética, vibracional.

— Nossa pelo que o senhor me diz a Umbanda é parceria mesmo, hein?

— Com certeza fia e é por isso que cada vez que um mano caboclo pede o pito de volta para seus cambone ele só tem a agradecer a este.

— Mas o ideal, quando o cambone não está bem, é fazer sempre preces, pedir auxílio a alguma entidade e ficar vigilante para sua vibração não cair e, assim, dificultar o trabalho das entidades, não é assim?

— Certamente, não é fia!?! Mas este caboclo sabe que a filha põe em prática aqui no terreiro muito do que acabou de perguntar pra caboclo, não é verdade?

— Infelizmente não é sempre, mas graças a Deus acaba sendo a maioria das vezes, mas...

A voz de Lígia mal conseguia sair dos seus lábios tamanha era a emoção de estar aprendendo coisas tão básicas e importantes para o bom andamento de uma gira, mas de uma forma simples e prática. Mesmo percebendo a dificuldade de Lígia em falar, devido à emotividade, o caboclo incentivou-a dizendo:

— Pode falar fia.

E, fazendo um esforço grandioso para não embargar a sua voz com uma honesta emoção, foi que Lígia disse:

— Sabe o que eu acho mais lindo na Umbanda em relação a tudo isto que o senhor acabou de revelar para mim?

— A voz de suncê está embargada não é fia? Embargada de singela emoção por contemplar a prova do que disse Jesus sobre a simplicidade da misericórdia e benevolência das coisas de Deus materializada na religião de Umbanda pela presença de um simples charuto de caboclo, não é verdade fia?

As lágrimas de agradecimento por estar tendo aquela preciosa conversa com o caboclo deslizavam aos borbotões pela face de Ligia e esta emoção tão bonita e sincera a impedia de proferir qualquer resposta em relação à indagação feita pela entidade e ela, assim, só pôde respondê-lo positivamente acenando com a cabeça.

O caboclo então continuou a conversa dizendo:

— Caboclo agradece a Tupã pela parceria entre suncê e este caboclo e respeita cada lágrima de gratidão ao Criador que está deslizando pelo seu rosto, mas deve solicitar licença por um breve instante neste seu processo de agradecimento para pedir a suncê que devolva o pito deste caboclo para que ele possa participar de mais uma roda de descarrego em nome da caridade ao próximo.

As lágrimas continuavam a escorrer pelo rosto de Ligia e ela, assim, só pôde estender as mãos para devolver o charuto sem nada conseguir dizer a entidade.
A entidade pegou o charuto nas mãos, deu as costas para Ligia, andou um passo a frente e ficou parado de costas para sua cambone.

Talvez fosse para substituir um pouco daquelas lágrimas de alegria por um sorriso singelo feito da mesma emoção, talvez não, o fato foi que o caboclo novamente virou-se de frente para Ligia e disse:

— Pensou que caboclo houvesse se esquecido desta vez não é fia Ligia? Mas este caboclo não esquece nunca de agradecer a suncê por haver segurado por mais uma vez o pito dele. Que Tupã abençoe em dobro toda a atenção que suncê dispensa a este caboclo nesta nossa parceria e que seja abençoada também a parceria que Tupã tem com todos nós através da nossa sagrada e amada religião de Umbanda.

Ao que Lígia, já um tanto refeita em suas emoções, respondeu:

— Que assim seja!!!!!

Mensagem de um Caboclo canalizada por Pedro Rangel em 27/01/2010

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