De todas as pragas morais da sociedade, o egoísmo
parece a mais difícil de desenraizar; ela é tanto mais, com efeito, quanto é
entretida pelos próprios hábitos da educação.
Parece que se toma, desde o berço, a tarefa de
excitar certas paixões que se tornam mais tarde uma segunda natureza, e se
espanta dos vícios da sociedade, então que as crianças os sugam com o leite.
Eis disso um exemplo que, como cada um pode julgá-lo, pertence mais à regra do
que à exceção.
Numa família de nosso conhecimento há uma pequena
filha de quatro a cinco anos, de uma inteligência rara, mas que tem os pequenos
defeitos das crianças mimadas, quer dizer, que ela é um pouco caprichosa, chorosa,
teimosa, e não diz sempre obrigado quando se lhe dá alguma coisa, essa cujos
pais têm grandemente interesse em corrigi-la, porque, à parte esses defeitos, ela tem um
coração de ouro, expressão consagrada. Vejamos como se empenham para tirar
essas pequenas nódoas e conservar ao ouro a sua pureza.
Um dia, havia sido trazido um bolo à criança, e,
como é geralmente o hábito, se lhe disse: "Tu o comerás se fores
obediente;" primeira lição de guloseima. Quantas vezes não
chega a dizer, à mesa, a uma criança, que não
comerá de tal gulodice se chorar. "Faze isto, faze aquilo, se lhe diz, e
tu terás do creme" ou alguma outra coisa que possa lhe fazer
inveja; e a criança se constrange, não por razão,
mas tendo em vista satisfazer um desejo sensual que a aguilhoa. É bem pior
ainda quando se lhe diz, o que não é menos freqüente, que se dará sua porção a
um outro; aqui não é mais a gulodice só que está em jogo, é a inveja; a criança
fará isso que se lhe manda, não só para ter, mas que um outro não tenha. Quer
se lhe dar uma lição de generosidade? diga-se-lhe: "dá esse fruto ou esse
ou esse brinquedo a um tal." Se ela recusa,
não se deixe de acrescentar, para simular nela um bom sentimento: "Eu te
darei um outro dele;" de maneira que a criança não se
decida a ser generosa senão quando está certa de
nada perder.
Fomos um dia testemunha de um fato muito
característico nesse gênero. Era uma criança de dois anos e meio mais ou menos,
a quem se havia feito semelhante ameaça, acrescentando-lhe: "Nós o daremos ao
irmãozinho, e tu não o terás;" e, para tornar a lição mais sensível,
coloca-se a porção sobre o prato deste; mas o irmãozinho, tomando a coisa a
sério, come a porção. Em vista disso, a outra se torna vermelha e seria preciso
não ser nem o pai nem a mãe para não ver o estrondo de cólera e de ódio que
jorra de seus olhos. A semente foi lançada; pode produzir bom grão?
Retornemos à pequenina da qual falamos. Como não
toma nenhuma conta da ameaça, sabendo por experiência que será executada
raramente, esta vez se fez mais firme, porque compreendeu-se que seria preciso dominar
esse pequeno caráter e não esperar que a idade lhe venha dar um mau hábito. E
preciso formar as crianças cedo, dizia-se; máxima muito sábia, e, para colocá-la em
prática, eis como se a toma." Eu te prometo, lhe diz sua mãe, que se tu
não obedeceres, amanhã de manhã, a primeira pequena pobre
que passar, dar-lhe-ei teu bolo." O que foi
dito foi feito; esta vez queria-se resistir e lhe dar uma boa lição. No
dia seguinte de manhã, pois, tendo percebido uma pequena vizinha na rua, fê-la
entrar, e se obrigou a filhinha a tomá-la pela mão e a lhe dar, ela mesma, seu
bolo. Sobre isso, louvores dados à sua docilidade. Moralidade: a filhinha
disse: "É indiferente, se soubesse disto, teria me apressado em comer meu
bolo ontem;" e todo o mundo de aplaudir a essa resposta espirituosa. A
criança, com efeito, recebeu uma grande lição, mas uma lição do mais puro
egoísmo, do qual não deixará de se aproveitar numa outra vez, porque ela sabe
agora o que custa a generosidade forçada; resta saber que frutos dará mais
tarde essa semente, quando, mais idosa, a criança fará a aplicação dessa moral
em coisas mais sérias do que um bolo. Sabem-se todos os pensamentos que só esse
fato pôde fazer germinar nessa jovem cabeça? Como se quer, depois disso, que
uma criança não seja egoísta quando, em lugar de despertar nela o prazer de
dar, e de lhe representar a felicidade daquele que recebe, se lhe impõe um
sacrifício como punição? Não é inspirar a aversão pelo ato de dar, e por aqueles que têm necessidade?
Um outro hábito igualmente freqüente é o de punir uma criança vendo-a comer, na
cozinha, com os domésticos.
A punição está menos na exclusão da mesa do que na
humilhação de ir à das pessoas de serviço. Assim se encontra inoculado, desde a
mais tenra infância, o vírus da sensualidade, do egoísmo, do orgulho, do desprezo aos inferiores, das
paixões, em uma palavra, que são, com razão, consideradas como as pragas da
Humanidade. É preciso ser dotado de uma natureza excepcionalmente boa para
resistir a tais influências, produzidas na idade mais impressionável, onde elas
não podem encontrar contrapeso nem na vontade nem na experiência. Por pouco,
pois, que o germe das más paixões aí se encontre, o que é o caso mais comum,
tendo em vista a natureza da maioria dos Espíritos que se encarnam sobre a
Terra, não pode senão se desenvolver sob Essas influências, ao passo que seria
preciso tentar descobrir-lhe os menores traços, para abafá-las.
Essa falta, sem dúvida, está nos pais, mas aqueles
pecam freqüentemente, é preciso dizê-lo, mais por ignorância do que por má
vontade; em muitos, incontestavelmente, há uma negligência culpável, mas em outros a intenção
é boa, é o remédio que não vale nada ou que é mal aplicado. Sendo os primeiros
médicos da alma de seus filhos, deveriam estar instruídos, não só de seus
deveres, mas dos meios de cumpri-los; não basta ao médico saber que deve
procurar curar, é preciso que saiba como deve fazê-lo. Ora, para os pais, onde
estão os meios de se instruírem sobre essa parte tão importante de sua tarefa?
Dá-se às mulheres muita instrução hoje; fazem-na
suportar exames rigorosos mas jamais foi exigido de uma mãe que ela saiba como
deve fazer para formar o moral de seu filho?
São-lhes ensinadas receitas do governo da casa; mas
se a iniciou nos mil segredos de governar os jovens corações? Os pais são,
pois, abandonados sem guia à sua iniciativa, é por isso que, freqüentemente, tomam um falso
caminho; também recolhem, nos erros de seus filhos tornados grandes, o fruto
amargo de sua experiência ou de uma ternura mal combinada, e a sociedade toda
disso recebe o contra-golpe.
Uma vez que está reconhecido que o egoísmo e o
orgulho são a fonte da maioria das misérias humanas, que enquanto reinarem
sobre a Terra, não se podem esperar nem paz, nem caridade, nem fraternidade, é preciso,
pois, atacá-los no seu estado de embrião, sem esperar que sejam vivazes.
Pode o Espiritismo remediar esse mal? Sem nenhuma
dúvida, e não hesitamos em dizer que só ele é bastante poderoso para fazê-lo
cessar: pelo novo ponto de vista sob o qual faz encarar a missão e a responsabilidade dos
pais; fazendo conhecer a fonte das qualidades inatas, boas ou más;
mostrando-lhes a ação que se pode exercer sobre os
Espíritos encarnados e desencarnados; dando-lhes a
fé inabalável que sanciona os deveres; enfim, moralizando com isso os próprios
pais. Já prova sua eficácia pela maneira mais racional da qual as crianças são educadas nas
famílias verdadeiramente espíritas.
Os novos horizontes que o Espiritismo abre fazem
ver as coisas de maneira diferente; sendo seu objetivo o progresso moral da
Humanidade, forçosamente deverá levar a luz sobre a séria questão da educação moral, fonte
primeira da moralização das massas. Um dia compreender-se-á que esse ramo da
educação tem seus princípios, suas regras, como a educação intelectual, em uma
palavra, que é uma verdadeira ciência; um dia, talvez, se imporá a toda mãe de
família a obrigação de possuir esses conhecimentos, como se impõe ao advogado a
de conhecer o Direito.
Fonte: Revista Espírita - Jornal
de Estudos Psicológicos - Ano VII - Fevereiro de 1864 - nº 2
- Por
Allan Kardec
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